Campo Grande, 28 de março de 2024

Coronavírus: como adaptar os finais de semana à vida em quarentena

Uma das frases mais marcantes da personagem Violet Crawley na série de TV Downton Abbey, uma fala exclamada com surpresa pela aristocrata quando escuta em um jantar um hóspede falar de seu emprego, pode estar começando a fazer mais sentido para muita gente isolada socialmente por conta da pandemia de coronavírus.

Sem escolas, escritórios e espaços públicos abertos, compromissos que muitas vezes fazem o trabalho de definir nossas próprias agendas, o tempo tem se tornado algo estranho e amorfo, que não pode ser captado por um calendário.

Se você ainda estiver de pijama e a TV e o computador do trabalho estiverem ligados, importa mesmo que horas são? Se é preciso jogar uma espécie de pingue-pongue para realizar as tarefas do trabalho e atender à fome das crianças, é relevante saber que dia da semana é? O que é realmente um fim de semana em um mundo em quarentena?

Seres humanos: criaturas de hábitos

“Um dos desafios da crise atual é que muitos de nossos horários estão completamente desarrumados”, diz Laurie Santos, professora de psicologia da Universidade de Yale, que ministra o popular curso “A ciência do bem-estar”.

“Os seres humanos são criaturas de hábitos, portanto, ter um horário regular para quando trabalhamos e quando temos lazer pode nos ajudar a reduzir a incerteza, especialmente em um período como o atual, ainda mais incerto.”

Em condições normais, essa regularidade é determinada por forças externas a nós: horários da escola e do metrô, reuniões de trabalho e compromissos médicos. Sem esta agenda externa, pessoas em todo o mundo estão precisando usar a criatividade para gerar suas próprias maneiras de distinguir o tempo de ócio do tempo normal.

Chaney Kourouniotis é diretora de marketing de uma empresa de viagens em Seattle, EUA. Embora esteja trabalhando em casa agora, ela continuou a acionar o despertador para acordar e estar em sua mesa no horário normal de expediente. Dormir é um prazer que ela reserva para os fins de semana.

Quem tem crianças em casa está precisando fazer malabarismos para manter rotinas não só para si mesmo quanto para elas — Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Quem tem crianças em casa está precisando fazer malabarismos para manter rotinas não só para si mesmo quanto para elas — Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Para quem tem crianças em casa, a possibilidade de lazer a qualquer dia costuma estar fora de questão. Emily Seftel trabalha na administração de uma organização internacional em Paris, seu marido trabalha com tecnologia, e ambos estão fazendo malabarismos para, além de cumprir o expediente e suas tarefas, garantir os cuidados e a educação do filho de 6 anos.

Para também garantir algum tempo de diversão para ambos no sagrado fim de semana, eles instituíram uma regra compartilhada: no sábado e no domingo, cada um deles tem três horas sozinho, em qualquer espaço que possam encontrar no apartamento.

“Os outros membros da família fingem que a pessoa descansando não está por perto”, diz Seftel.

“Alternamos manhãs e tardes. No último fim de semana, consegui o sábado de manhã e domingo à tarde para ler na varanda ao sol, me trancar no quarto para assistir Netflix, para fazer o que quisesse.”

Ciclo ‘sintético’

Por que os fins de semana são importantes? Diferentemente da rotação diária de 24 horas da Terra ou de sua jornada de um ano ao redor do Sol, a semana de sete dias é uma construção puramente social, como observa a jornalista Katrina Onstad em seu livro The weekend effect: the life-changing benefits of taking time off and challenging the cult of overwork (“O efeito fim de semana: os benefícios arrebatadores de tirar um tempo de descanso e desafiar o culto ao trabalho excessivo”, em tradução livre).

Na verdade, o fim de semana de dois dias nasceu de uma outra crise, uma econômica, lembra Onstad. Na Grande Depressão da década de 1930, muitos setores que ainda não haviam adotado a semana de 40 horas de trabalho concentraram o expediente dos funcionários para cinco dias por semana, com o objetivo de que menos horas de trabalho pudessem ser distribuídas entre mais pessoas.

Em 1938, a semana de trabalho de 40 horas foi consagrada na lei americana com o Fair Labor Standards Act; no Brasil, a Constituição de 1934 passou a prever oito horas de trabalho diário.

Para alguns, a atual pandemia também levará a mudanças de longo prazo.

“Mesmo antes da pandemia de coronavírus, a semana de trabalho tradicional já estava mudando”, diz Brad Beaven, professor de História da Universidade de Portsmouth, citando o aumento do trabalho remoto e autônomo.

“Estranhamente, o isolamento social está permitindo ao trabalhador determinar seu próprio ciclo de produtividade, seus intervalos e sua própria rotina de trabalho.”

‘Traga alguma normalidade de volta’

Equipamento de ginástica interditado em Niterói por conta do coronavírus; consultores sugerem que pessoas 'simulem' rotina dos finais de semana no novo contexto, fazendo exercícios nos mesmos dias por exemplo — Foto: Pilar Olivares/Reuters

Equipamento de ginástica interditado em Niterói por conta do coronavírus; consultores sugerem que pessoas ‘simulem’ rotina dos finais de semana no novo contexto, fazendo exercícios nos mesmos dias por exemplo — Foto: Pilar Olivares/Reuters

Para algumas pessoas, porém, estabelecer algum tipo de agenda para os dias e semanas é algo crucial para sobreviver à incerteza e à tensão das próximas semanas.

“Se você não se importar com que as coisas continuem caminhando, isso (controlar o tempo) não tem importância”, diz Nir Eyal, consultor de produtividade e autor de Indistraível: como dominar sua atenção e assumir o controle de sua vida.

“Agora, se você precisa realizar as coisas, não é opcional. Precisamos de estrutura em nossos dias e sabemos que, sem ela, as pessoas enlouquecem. Literalmente. As taxas de depressão e ansiedade aumentam [em situações] quando há baixo controle e altas expectativas.”

Eyal se refere precisamente a um estudo de 2006 que mostrou que pessoas em empregos onde tinham pouco controle sobre suas condições de trabalho, altas demandas psicológicas e assistência social mínima eram mais propensas a ter distúrbios de saúde mental, como depressão e ansiedade.

Traga isso à nossa situação atual, onde estamos a maioria confinados, sem poder encontrar parentes e amigos, e equilibrando as demandas simultâneas de trabalho, família e educação em meio a uma pandemia. Há muita coisa fora do nosso controle. Manter algum tipo de estrutura diária nos ajuda a focar no que podemos.

“Sugiro que as pessoas encontrem maneiras de replicar o que faziam nos finais de semana, por exemplo, de forma criativa. Você tomava um bom café da manhã aos domingos com as amigas? Faça algumas panquecas em casa e encontre-as em plataforma de reuniões online. Sábado era seu dia de correr? Faça uma corrida ao ar livre, mantendo distâncias seguras, ou se exercite em casa”, diz Laurie Santos.

“A ideia é encontrar maneiras de simular as rotinas que tínhamos anteriormente, tanto quanto possível, para trazer alguma normalidade de volta à situação estranha em que estamos.”

O conteúdo da sua rotina não é tão importante quanto o fato de você ter uma, acrescenta Eyal. A crise atual pode ser uma oportunidade de mudar as coisas e criar um cronograma que acomode seus ritmos, em vez dos do empregador. E você também pode descobrir o que gosta ou não nisso.

Carol Horne, que trabalha para uma instituição de caridade para idosos em Londres, ofereceu aos filhos, de nove e sete anos, a opção de estudar de quarta a domingo, para que ela pudesse ter mais tempo para ajudá-los nos trabalhos escolares durante os fins de semana. Mas sua filha mais velha não se adaptou muito.

“Ela disse que gosta do fim de semana com um sábado e um domingo”, conta Horne. “E como a normalidade fugiu pela janela, eu queria dar a ela um pouco de rotina regular para se sentir mais firme.”

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