Passados 371 dias do decreto que estabeleceu o primeiro lockdown pelo então primeiro-ministro Giuseppe Conte, em 9 de março de 2020, a Itália volta à fase vermelha devido à pandemia do novo coronavírus. Na última segunda-feira (15), Mario Draghi, novo premiê, adotou novamente o regime de isolamento para conter um colapso nos hospitais do país pelo menos até 6 de abril, dois dias após o domingo de Páscoa.
Mas um ano depois, a experiência dos italianos com o lockdown deve ser diferente. A região da Lombardia, no norte do país, foi uma das mais atingidas pela primeira onda, em março de 2020. Na sua principal cidade e capital, conhecida como o centro econômico da Itália, o pesadelo ainda se faz presente na memória dos mais de um milhão de moradores. Filas nos supermercados e farmácias, prateleiras vazias, escolas, academias, comércio e igrejas fechados. Dias para serem esquecidos.
“O pior mesmo foi termos sido proibidos de sair de casa. Só por motivos de saúde e para fazer compras”, relembra o empresário Maurizio Zoccolillo, 57 anos, que mora no bairro de Brera, a poucos passos do quarteirão de Porta Nuovo, o novo centro moderno de Milão.

Assim como Maurizio, os milaneses foram aconselhados a ficar em casa e uma forte campanha de comunicação incentivou o uso de máscaras, distanciamento social e higienização. O problema, porém, foi a falta – justamente – de máscaras e álcool gel. Para não falar, em ítens básicos, que de uma hora para outra desapareceram das prateleiras dos supermercados, como o macarrão e até mesmo o fermento para fazer pão e pizza.
“Cheguei a pegar até duas horas de fila para comprar leite e verduras. Podíamos entrar de dez em dez. Os mais velhos diziam que era como reviver os tempos de guerra”, relembra o italiano que, na última quinta-feira (18), passeava pelas ruas da cidade e se dirigia ao supermercado para comprar apenas um pacote de “pasta” (macarrão). “Hoje, vivemos um lockdown light. As pessoas não estão mais tão assustadas e acho que nos acostumamos a essa situação de restrições que vai e vem”.
FAIXA VERMELHA
O governo classificou 11 regiões – Basilicata, Campânia, Emilia-Romagna, Friuli Veneza Giulia, Lazio, Lombardia, Marche, Piemonte, Vêneto, Toscana e Trentino-Alto Ádige – como vermelhas, e oito foram colocadas na faixa laranja: Abruzzo, Calábria, Ligúria, Molise, Puglia, Sicília, Úmbria e Vale de Aosta. E apenas a Sardenha está na fase branca. A Itália é um dos países mais atingidos pela pandemia e contabiliza até o momento mais de 100 mil mortes.
A faixa vermelha, tão temida pelos italianos, um ano depois, se mostra realmente menos rígida. Mais do que o toque obrigatório, o decreto foi instituído principalmente para frear o contágio que, nas últimas semanas, tem superado o patamar de 250 casos por 100 mil habitantes. O outro motivo é não sobrecarregar os hospitais e não aumentar a taxa de ocupação dos leitos destinados ao tratamento de Covid-19. A flexibilidade da fase vermelha “Made in Italy”, se vê nas ruas. E no número de carros que circulam pela cidade. Em março do ano passado, Milão estava literalmente deserta.
Agora, desde o dia 15 de março, é permitido sair de casa por comprovados motivos de trabalho, saúde ou simplesmente para dar uma volta. Academias, escolas, cinemas e parte do comércio varejista não essencial estão fechados. Bares e restaurantes, sacrificados no lockdown de março do ano passado, desta vez, puderam manter o delivery e take-away.
“Eu digo que agora não é uma fase vermelha rígida. Estamos trabalhando, pouco, mas estamos graças ao regime do chamado serviço de retirada”, conta o empresário gaúcho Carlos Eduardo Bitencourt, 37 anos, que em 2018 abriu Cafezal, uma cafeteria e torrefação, na Via Solferino, no centro de Milão.

“Ainda me lembro quando fechei completamente as portas por quase 70 dias. Nós ainda conseguimos trabalhar no mês de março pois vendemos café para clientes no Oriente Médio. Depois, tudo parou”, afirma o brasileiro que perdeu mais da metade da sua clientela no último ano e acha que somente em outubro deste ano voltará à normalidade.
Ao contrário de bares e restaurantes, dos quais 30%, em toda a Itália estão à beira da falência, segundo dados da Federação Italiana de Serviços Públicos, os supermercados viveram dias conturbados no ano passado. Com horários reduzidos, dias antes da Páscoa, por exemplo, as filas para garantir um ovo de chocolate ou a tradicional Colomba Pasquale, um pão doce que tem o formato de uma pomba, viraram manchetes nos jornais.
“Tivemos clientes que tiveram de esperar até 4 horas para entrar”, diz um caixa do Esselunga, de via Losanna, principal rede de supermercados da Lombardia “Chegamos até mesmo a oferecer água. Hoje, voltamos a funcionar das 7h às 21h e todos estão mais tranquilos sabendo que há de tudo para comprar e que não irão ficar horas e horas para entrar”.
O medo de pegar o Covid-19 não fez com que os italianos, em geral, assaltassem as prateleiras dos mercados e buscassem por vitaminas C, D e zinco nas farmácias. O boom das compras pelos sites foi necessário para evitar não só as filas.
“Tivemos que aumentar o número de funcionários e até nosso estoque. Houve uma verdadeira explosão on-line”, conta Ciro P, um dos responsáveis do e-commerce do Esselunga. “Em Codogno, onde foi registrado o primeiro caso na Lombardia, e a primeira cidade em fase vermelha, tivemos de contar com a colaboração de funcionários voluntários para dirigir nossos caminhões de entrega. Muitos tinham medo”.
“Nós também nos adaptamos a essa nova era. Atualmente, vivemos uma outra realidade, o chamado new normal. O ser humano tem essa capacidade de se ajustar, mas estamos cansados”, observa o empresário gaúcho Carlos Bitencourt. “Na minha opinião, o governo italiano percebeu esse sentimento e por isso aliviou na hora de impor um novo toque de recolher. Um lockdown mais light, mais humano”.