“Temos mulheridades que precisam ser consideradas”. A frase, da deputada federal Érika Kokay (PT-DF), condensa a compreensão de que não deve existir “saúde da mulher”, entendida de forma homogênea e abstrata, mas sim políticas públicas de saúde que consideram as mulheres em suas singularidades e pluralidades. Érika Kokay foi a convidada para falar sobre o tema do seminário “Saúde das Mulheres – Especificidades e Diversidade”, realizado na tarde desta segunda-feira (19) no plenário da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS). O evento foi proposto pela deputada Gleice Jane (PT) em parceria com a Coletiva Sempre Viva e com a deputada federal Camila Jara (PT-MS) e a vereadora por Campo Grande, Luiza Ribeiro (PT).
“Esse seminário foi construído a partir das lutas das mulheres, a partir das escutas das mulheres. É preciso ouvir e construir as políticas públicas para a saúde a partir dessas escutas. E esse seminário resulta dessa escuta, especificamente da escuta da Coletiva Sempre Viva, que é um dos proponentes”, disse a deputada Gleice Jane, que presidiu o evento. “E, pela primeira vez temos um seminário construído por três mulheres parlamentares de níveis municipal, estadual e federal”, completou, em referência à deputada federal Camila Jara e à vereadora Luiza Ribeiro.
A deputada Érika Kokay, que participou do evento remotamente, explicou, inicialmente, o que não é saúde e o que não é saúde da mulher, para, em seguida, definir, afirmativamente, esses conceitos. “A saúde não é o oposto de doença, mas é sinônimo de felicidade, de qualidade de vida”, explicitou. Quanto à saúde da mulher, a parlamentar disse que não se restringe à maternidade nem deve compreender a mulher de forma generalista.
É preciso levar em consideração, de acordo com a deputada, as especificidades das mulheres como também as diversidades. “É preciso considerar as mulheres trans, negras, indígenas, adolescentes, na terceira idade, em privação da liberdade”, listou a parlamentar. “As políticas públicas precisam considerar isso”, enfatizou. “Tudo isso precisa ser considerado. Nós não cabemos dentro de rótulos, porque a sociedade não é binária. Temos várias formas de sentir”, reforçou.
A construção da saúde pública para as mulheres fundadas nessas considerações passa pela desnaturalização do que é imposto como natural, conforme frisou a deputada Érika. “Nós, mulheres, enfrentamos inúmeros violências, que não são identificadas enquanto tal. São violências naturalizadas, que entram no tecido social e são, assim, reproduzidas”, destacou.
“Roubam-nos as praças, as cidades”
Entre as naturalizações da violência a serem enfrentadas, está a determinação de espaços. “Querem nos empurrar os espaços domésticos, que são os espaços de solidão. Os espaços públicos nos são tirados. Roubam-nos as praças, as cidades. Eles nos dizem ‘ocupe o espaço público, mas que sua casa esteja intacta, que cuide de seus filhos, que sempre esteja disponível ao seu marido’. E isso faz com que a mulher se culpabilize. Isso destrói a autoestima”, comentou.
A parlamentar afirmou, ainda, que isso tudo torna fundamental a atenção à saúde mental. Além disso, a saúde precisa olhar com cuidado as mulheres vítimas de violência. “É função da saúde a criação de núcleos multidisciplinares para atender essas mulheres”, afirmou.
Outro aspecto salientado pela parlamentar é a necessidade de perceber a saúde de forma concreta. “Quando se fala da saúde da mulher, é preciso considerar aspectos culturais, econômicos e sociais que estão presentes em nossas vidas. Nós vamos nos fazendo a partir de nossas relações, a partir do chão que a gente pisa”, analisou.
Mesma voz na defesa de vozes diversas
As participantes do seminário foram consonantes quanto à necessidade de se considerar a saúde das mulheres de modo específico e diverso. “Nós, mulheres, somos diversas, plurais e singulares. Cada mulher é única e tem suas próprias questões relacionadas à saúde. Quando se fala em saúde, só se pensa na mulher que gera e não nas outras. Temos também as mulheres, jovens, as idosas, as negras, as trans. Precisamos falar e sermos ouvidas em nossas especificidades”, comentou Camila Pereira Costa, representante da “Coletiva Sempre Viva”.
A deputada federal Camila Jara afirmou que a nova gestão do Governo Federal está reestruturando as políticas públicas da saúde da mulher que, conforme ela, “sofreu um grande desmonte”. “Estava um caos de modo geral. Isso sem falar das especificidades, como as relativas à mulher trans, negra, indígena. Nesses casos, a situação estava ainda mais grave”, acrescentou a parlamentar.
A vereadora Luiza Ribeiro apresentou indicadores do Sistema Único de Saúde (SUS) que são, conforme ela classificou, preocupantes. De acordo com esses dados, no primeiro quadrimestre (janeiro a abril) deste ano, apenas 36% das gestantes campo-grandenses fizeram ao menos seis consultas pré-natal. Muito abaixo da meta do indicador nacional, de 50%. Outro indicador mostra que a coleta do exame preventivo de colo de útero foi de 15% em Campo Grande, quando a meta é de 40%. Em relação a atendimento odontológico a gestantes, esse indicador foi de 45% na Capital, inferior à meta nacional, de 60%.
Seminário com falas plurais
A necessidade da singularidade e da diversidade na saúde pública para as mulheres foi reforçada durante todo o evento. E isso não esteve presente apenas nas falas, mas sobretudo nas pessoas que falaram. Ocuparam a tribuna do plenário para reivindicar uma saúde que atenda a todas as mulheres, de forma integral e em suas particularidades, representantes das trabalhadoras, das idosas, das trans, das mulheres em privação de liberdade, negras, indígenas, migrantes, do campo, ribeirinhas, profissionais do sexo, profissionais da saúde, em situação de rua, quilombolas, com deficiência, catadoras de reciclados e mulheres jovens.
O evento, aberto ao público, foi transmitido ao vivo pelos canais oficiais da Casa de Leis: Canal 9 da Claro Net, TV ALEMS, Youtube, Facebook e Rádio ALEMS e teve cobertura do site oficial do Parlamento.