Em entrevista exclusiva ao Esporte Espetacular, atacante repassa momentos marcantes e polêmicos em Copas, parceria com Neymar e Messi e fala sobre conversa com Arrascaeta antes de ir ao Grêmio
Por Carlos Gil, Cíntia Barlem e Marcelo Bastos — Rio de Janeiro
Luis Suárez deixou o Grêmio com uma passagem histórica. Foram 54 jogos, 29 gols e 17 assistências em 11 meses de vínculo. A vinda não foi apenas marcante para a torcida tricolor, mas também para o futebol brasileiro. Ao relembrar o ano, em entrevista exclusiva ao Esporte Espetacular, Luisito se diz orgulhoso com o que assegurou aos 36 anos.
– Chegando ao final você começa a lembrar tudo. Acho que foi muito legal até mais do que imaginava. Chegar aqui no futebol brasileiro e fazer o que fiz acho que tenho que ficar orgulhoso afirmou.
A retribução em campo ele justificou com a maneira que foi recebido no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, pela torcida gremista. Uma multidão fez questão de dar as boas-vindas em janeiro de 2023. A partir dali, o objetivo era dar seu máximo desde o primeiro dia.
Da passagem pelo Brasil, ele garante que sentirá saudade de muitas coisas. Quando fala faz questão de ressaltar o calendário pesado do país e as viagens longas, mas comenta que nesse aspecto o técnico Renato Portaluppi soube administrar da melhor forma.
– Muitas (saudades de Porto Alegre). Foi um ano que não acreditava que ia jogar aqui no Brasil, mas aconteceu. Aproveitamos muito com minha família fora de campo também. Se eu te falar que tem muito jogo, viagens muito longas. Mas acho que também como o Renato também conhece e sabe administrar essa situação foi bem. Mas tenho saudade de tudo, do dia a dia no CT, no Grêmio, saudade da torcida. Jogar na Arena era bem legal. Também toda a paixão que o torcedor brasileiro tem.
Aliás, sobre o comandante, Luis Suárez garante elogios e comenta que antes de vir para o Grêmio se aconselhou com Arrascaeta sobre o trabalho do treinador.
– Ele é muito engraçado, muito próximo ao vestiário e isso para o jogador é bem legal. Dá confiança também. Jogou muito futebol. Ele sabe muito o que acontece dentro do vestiário. E para o grupo foi bom. Não conhecia ele, mas o Arrascaeta havia falado como ele era para o grupo. Depois tem a parte tática, psicológica que também ajua muito. Tivemos um ano bem legal nesse sentido. Ficamos quatro, cinco jogos sem ganhar e ele sempre da mesma maneira. Quando tem que trabalhar se trabalha sério. Quando tem que brincar se brinca. Ele é assim e tem que conhecer ele para entender.
Na coletiva em que se despediu da Arena do Grêmio e a torcida, depois da vitória sobre o Vasco por 1 a 0, com gol dele, Suárez ganhou um “presente” de Renato. O treinador o presenteou, em tom de brincadeira, com um DVD com os gols do comandante quando era jogador. Questionado se iria assistir ao presente nas férias, Luisito brincou com seu agora ex-técnico.
– O que acontece é que o DVD já não se usa mais, ele é muito velho (risos). Eu ia falar para ele: “Coloca no google na internet Luis Suarez, gol” – brincou.
Sobre o futuro, Suárez diz que precisa de férias e somente depois ira definir seu futuro. O destino comentado na imprensa internacional seria o Inter Miami, da MLS, para jogar ao lado do amigo Leo Messi.
– Agora preciso e necessito pegar umas férias com meus filhos, minha mulher. Para minha mulher agora não é fácil pegar todas as coisas e ir embora. Falavam para a Sofia dizer para eu ficar, mas minha mulher sempre me deixou fazer o que mais gosto que é jogar futebol. Eu decidir. E ela já sabe o que sinto no dia a dia. Por isso tivemos que tomar a decisão do Luis Suárez humano e agora começar as férias para aproveitar com eles que eu preciso.
Mesmo com as dores no joelho que o incomodaram na sua passagem pelo Grêmio, Suárez ainda não se vê aposentado dos gramados. Ele diz que irá até onde o corpo aguentar.
– Sim e não. Tem as duas coisas, mas sou cabeça dura. Difícil ter na cabeça aposentar. Se aparece uma possibilidade para poder jogar, o Suárez vai jogar até onde o corpo deixar – disse.
Confira outras respostas de Luis Suárez:
A ESCOLHA PELO GRÊMIO
– Eu falava que eu preferia não voltar a jogar no Uruguai porque eu sou um cara que jogou mais de 15 anos na seleção e eu prefiria que o torcedor uruguaio lembrasse do jogador do Uruguai e esquecesse que eu tinha começado minha carreira no Nacional. Mas aí o torcedor começou a chegar ao coração. Uma pessoa normal tem sentimentos e aí teve o Nacional. Jogar 3, 4 meses no Nacional antes do Mundial. Terminou, saí campeão, saiu tudo bem, joguei um clássico, fiz o gol na final. Aí depois da Copado Mundo eu falei com meus filhos e eles queriam ficar lá no Uruguai. Estavam muito felizes com os primos, amigos, família. No Uruguai, onde a gente mora é tudo perto. A logística era perfeita para ficar lá. Mas falei para meus filhos: “O futebol não tem lembranças”. No futebol todo mundo esquece o que aconteceu. Tinha jogadores que passaram por coisas assim. Foram ao Nacional e Peñarol, foram bem em seis meses a um ano, quiseram ficar mais um ano, mas foram mal e aí todo mundo começou a xingar eles. E eu falava: por isso. A etapa de 3,4 meses foi perfeita. Aí comecei a falar com o Grêmio e cheguei aqui. Mas por isso que decidi. Igual com o Grêmio agora. Ter mais um ano de contrato. Eu falei com o presidente, com os jogadores também. O melhor que eu posso fazer é que o futebol brasileiro se lembre com o grande ano que eu fiz aqui. Se eu fico mais um ano você não sabe o que pode acontecer. Aí começa a mancar, dor no joelho, não jogar Gauchão. E começam: “ah , ele ficou aqui”. Então ficar com essa imagem para mim foi perfeito.
PRÊMIO DE CRAQUE DO BRASILEIRÃO
– Não sei se justo, mas procuro fazer meu melhor trabalho. Sou um cara profissional que trata de fazer sempre a mesma coisa. Jogar muita bola, ajudar meu time. Mas tem grandes jogadores que jogaram aqui esse ano. É muito difícil pegar esse prêmio. Tem jogadores como Hulk, Paulinho, Tiquinho Soares, o primeiro turno que ele fez foi perfeito, depois tem grandes craques como Arrascaeta. Já vai para 3,4,5 anos aqui no Flamengo em alto nível. É difícil.
LEMBRANÇAS DOS TIMES ONDE JOGOU
– Todo time que você joga tem uma lembrança diferente. Quando cheguei à Europa, o Groningen, primeiro time, o treinador não gostava que eu jogasse porque ele dizia que eu estava um pouco fofinho, tinha dois, três quilos a mais. Aí você começa a aprender. Entender o que tem que comer, o que fazer antes do treinamento, depois. Aí você começa a fazer a coisa certa. Aí muda para o Ajax e começa a aprender muita coisa técnica como controlar a bola. Eu jogava no instinto. No Ajax aprendi muito disso. Controlar a bola, essas coisas eu não sabia. No Liverpool aí comecei a jogar como eu gostava. No Liverpool e Uruguai eu jogava igual. No Liverpool, bola longa e o Luis a brigar com os zagueiros. No Uruguai também. Depois você chega no Barcelona que toca, toca a bola. Você tem olhar para seu lado direito com o Neymar, lado esquerdo tem o Messi, na frente Iniesta e Xavi. São grandes jogadores, onde vou jogar, vou onde posso jogar. Aí tem que olhar seu espaço e começar a trabalhar. Fazer a tabela, começar a movimentar para que o Neymar passe. Aí você começa a aprender muitas coisas no futebol. No Atlético de Madrid era um pouco mais diferente, mas todo time tem coisas que ficaram de lembrança a carreira de jogador dentro de campo e fora do campo também.
BARCELONA, O MELHOR TIME EM QUE JOGOU
Sim (Barcelona foi o melhor time que jogou). Por tudo que fizemos, o que ganhamos, pela parceria que havia fora do campo por ser muito difícil ter com três grandes jogadores. Falam que não existem três galos em um galinheiro, mas a gente conseguiu fazer isso. Não é falta de humildade dizer que nós três queríamos jogar bola e ganhar para o Barcelona. Não era jogar para pegar prêmios individuais. Em 2015/2016 o Neymar e o Leo (Messi) me ajudaram a levar a Chuteira de Ouro e isso é impossível eu esquecer o que fizeram por mim.
JOGAR NO ATLÉTICO DE MADRID DEPOIS DE MARCAR ÉPOCA NO BARÇA
– Sim, e foi estranho também. Jogar em um outro time na Espanha que não fosse o Barcelona. Ia jogar em outro estádio com a camisa do Atlético e não acreditava que estava com a camisa do Atlético, mas a família Atlético foi um time que pegou muito bem para meu jogo. Tem um treinador que tirou tudo de bom que eu poderia fazer no campo e fiz todo o possível com ele. Conseguimos uma Liga que foi uma das mais importantes para mim pela importância, pela forma como cheguei ao Atlético, pela forma como se ganhou na pandemia e foi muito importante.
– No futebol temos que aprender com as coisas. A lembrança que tenho de 2010…eu voltaria a fazer a mesma coisa. Não fiz nada que não tenha fair play como machucar alguém, quebrar um jogador que ficasse seis, oito meses. Procurei que não fizessem o gol, com a mão sim, mas peguei cartão vermelho. E a responsabilidade era do cara que tinha que chutar o pênalti. Foi ele que perdeu. Por exemplo, Copa América 2019. Eu perdi um pênalti e Uruguai ficou fora contra Peru. Fiquei bravo e triste por mim, era minha responsabilidade. Ali fiz o que tinha que fazer pelo meu país. No lance de 2014 eu fui muito mal, errei muito. Tem muitas coisas que por vezes o jogador sofre, tem muita pressão e por vezes você faz coisas que não tem que fazer. Foi uma das coisas que fiz. Pedi perdão para meu país, para meus companheiros, para o grupo. Foi uma coisa que aprendi no futebol. Os momentos que você está vivendo no dia a dia você precisa liberar, falar essas coisas. E o que aconteceu é que eu guardei muitas coisas que vinham acontecendo no futebol com minha cirurgia, fiz dois contra Inglaterra, estou fechado na Copa do Mundo e você não tem como expressar isso. Eu errei, mas naquele momento não gostava que perguntasse, mas um cara que vai crescendo tem que confrontar a responsabilidade. Se você erra precisa falar “eu errei”. Em 2018 não fiz nada (risos) e o último (2022) fiquei com muita dor porque o Uruguai teria muitas coisas a fazer, chegar mais longe. Aí a lembrança que tenho do Uruguai é essa e por isso sou cabeça dura e não queria ir embora da seleção do meu país com essa imagem. Tive a chance agora de voltar à seleção e com essa imagem eu já vou ficar tranquilo.
– Não, não, eu não chego.
AMOR PELA CELESTE URUGUAIA
– Sempre. Difícil para o jogador de futebol aposentar. Mas se você continua jogando é difícil falar não à seleção, muito difícil porque é um sonho quando você é criança e você não pode perder essa sensação de jogar com a camisa do seu país.
METAS COM O GRÊMIO EM 2023
– A obrigação do Grêmio é sempre ganhar o Gauchão. A Recopa eu não sabia e quando cheguei me falaram. Competição que joga tem obrigação de ganhar. Mas se você olha o Grêmio, de voltar à Série A, sempre tem jogadores com fome de ganhar algo importante. Mas sabendo que o time vinha da Série B acho que fizemos um ano perfeito para nós. Mas não só para Suárez. Eu falo do grupo também. O grupo ganhou muitos jogos sem o Suárez. Tem o trabalho do treinador, a parte técnica que trabalha muito para isso. Procuraram trazer jogadores, mas por vezes também é difícil isso porque o jogador escolhe outra coisa, outro time porque paga mais, outras coisas. Aí é difícil para o clube. A Copa do Brasil esteve perto, mas perdeu para o Flamengo que é um dos candidatos sempre. Tem que ficar tranquilo, mas fico com dor de não ganhar algo importante nacional, sim, mas porque eu sou assim. E eu fico bravo quando a gente ganha um jogo de 2, 3 a 1, fiz um gol, mas joguei mal fico bravo por isso. Imagina por não ganhar algo importante. Mas tem que fazer um geral de tudo que fez o Grêmio em janeiro até agora e fazer pontuação 9 de quase 10 por causa de como voltou e com os jogadores que tinha.
Até mais do que eu imaginava na minha carreira. Teve muitas coisas na minha carreira que jamais imaginei. Queria jogar futebol quando criança. Chegar ao Nacional, jogar na seleção todo mundo fala. O que tenho que valorizar é que cheguei e mantive lá em cima. Não é fácil. Cumpriu-se tudo que eu queria e mais do que queria.