Temendo a reação dos mercados ao triunfo da aliança peronista kirchneristaque elegeu Alberto Fernández para a Presidência da Argentina noprimeiro turno , o governo e o Banco Central do país (BCRA) anunciaram uma série de medidas temporárias para evitar a perda de reservas e conter o preço do dólar. A iniciativa, que busca frear o aumento da inflação e proteger os depósitos bancários, faz parte do plano do presidente Maurício Macri para realizar uma ” transição ordenada ” até a posse de seu sucessor, no dia 10 de dezembro, disse o governo.
A medida já era esperada, mas Macri aguardou até a eleição para anunciá-la. Nos dois meses desde as primárias, segundo o presidente do BC argentino, Guido Sandleris, a reserva de dólares do BCRA perdeu cerca de US$ 22 bilhões (R$ 87.940.600.000). A medida foi conversada com a equipe de Fernández.
O plano, cujos detalhes foram anunciados na manhã desta segunda-feira pelo presidente do BCRA, durará até o dia 31 de dezembro e estabelecerá um limite mensal e não cumulativo de US$ 200 (R$ 799,46) na compra de dólares por pessoas físicas com contas bancárias e US$ 100 (R$ 399,73) em espécie. Até sexta-feira, este limite era de US$ 15 mil (R$ 59.959,50). Não haverá, no entanto, restrições cambiárias para viagens internacionais e para a retirada de dinheiro em contas no exterior. A retirada de dinheiro no exterior com cartões argentinos, por sua vez, só poderá ser efetuada em contas locais do cliente em moedas estrangeiras.
Segundo o presidente do BC argentino, Guido Sandleris, a decisão busca “preservar ao máximo as reservas do BC para dar maior liberdade à próxima administação” em meio “ao alto grau de incerteza atual”. Em sua entrevista coletiva, pouco antes da abertura da bolsa de Buenos Aires, ele admitiu que anunciou o novo limite à compra de dólares já na noite de domingo para que os bancos tivessem tempo de implementá-lo.
Como já disse em outras ocasiões, não é normal que uma eleição presidencial gere o nível de incerteza e volatilidade que nós vimos nos últimos meses. — disse Sandleris. — Isso não ocorre em outros lugares do mundo. Lamentavelmente, nós argentinos não sabemos construir esses consensos básicos que nos protegem conta as incertezas que podem gerar uma mudança de governo.
Segundo o Banco Central, organismos internacionais, instituições “que cumpram funções de agências oficiais de crédito para a exportação”, representações diplomáticas e fundos de empréstimos hipotecários por entidades financeiras locais ficarão isentos do novo limite. O restante do esquema cambiário do país, de acordo com o presidente da organização se mantém basicamente sem modificações.
O pacote de medidas foi elaborado no fim da semana passada, em uma tentativa de conter as reações do mercado à vitória da chapa de Fernández e sua vice , a ex-presidente Cristina Kirchner, que já se desenhava. De acordo com Sandleris, observou-se nos últimos dias um grande aumento na busca por dólares, principalmente por pessoas físicas. Antes mesmo que a bolsa de Buenos Aires abrisse suas atividades nesta segunda-feira, os títulos argentinos com prazo em 2021 registravam queda de 0,5% no mercado europeu, chegando a 46,49 centavos de dólar.
Os temores econômicos se acentuaram após as primárias de agosto, quando ficou evidente que Maurício Macri deveria ser derrotado em primeiro turno. Na ocasião, a grande vitória de Fernández fez o dólar disparar, provocando, em consequência, o aumento do risco país e um forte reajuste de preços internos.
O mercado teme que o novo governo peronista e kirchnerista faça mudanças radicais na política econômica, e existem dúvidas sobre uma eventual renegociação da dívida pública, iniciativa que Fernández já antecipou. Mas a realidade é que a aliança não deu muitas pistas sobre seu programa econômico, e essa incerteza preocupa investidores dentro e fora do país.
A crise econômica argentina foi um dos pontos mais polêmicos da corrida eleitoral que traz a centro-esquerda peronista de volta ao poder quatro anos após a vitória de Macri sobre Cristina Kirchner. A situação do país, que já era ruim na ocasião, agravou-se ainda mais durante a gestão do atual presidente, mesmo após firmar um pacote de US$ 50 bilhões em 2018 com o Fundo Monetário Internacional.
Macri e Fernández, no entanto, parecem comprometidos em garantir a transição mais tranquila possível e se reunirão em um café da manhã já nesta segunda-feira para discutir os próximos passos. O atual presidente deverá anunciar nas próximas horas cerca de 40 nomes que liderarão a passagem de bastão em todas as áreas do governo.
Vamos começar a conversar sobre o tempo restante, mas sabemos que, até o dia 10 de dezembro, o presidente é Macri — disse Fernández, durante seu discurso de posse.