A Organização das Nações Unidas (ONU) pediu nesta quarta-feira (22) que os Estados Unidos e outras autoridades relevantes investiguem a suspeita de que o celular do dono da Amazon, Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, tenha sido invadido por meio de um vídeo enviado por um príncipe árabe.
A suspeita foi divulgada pelo jornal britânico “The Guardian”, na última terça (21), citando fontes. Segundo a reportagem, Bezos recebeu em 2018 uma mensagem via WhatsApp de Mohammed bin Salman, príncipe e herdeiro do trono da Arábia Saudita, contendo um vídeo. E, a partir disso, um programa de espionagem foi instalado no telefone dele.
Segundo o relatório da ONU, as informações recebidas sugerem o envolvimento do príncipe para vigiar o bilionário no intuito “de influenciar, se não silenciar” reportagens do jornal “Washington Post”, do qual Bezos é dono, sobre a Arábia Saudita.
Em outubro de 2018, o jornalista e articulista do jornal Jamal Kashoggi — famoso por ser crítico ao governo saudita — foi brutalmente assassinado em um consulado da Arábia na Turquia.
A embaixada da Árábia Saudita nos Estados Unidos considerou a suspeita de envolvimento da coroa saudita no caso Bezos como “absurda”, em post feito no Twitter na última terça. E também defendeu que exista uma investigação, mas não apontou quem deveria fazê-lo.
Recent media reports that suggest the Kingdom is behind a hacking of Mr. Jeff Bezos’ phone are absurd. We call for an investigation on these claims so that we can have all the facts out.
Como teria sido a espionagem
O relatório da ONU foi escrito por duas pessoas indicadas pelo Conselho de Direitos Humanos da organização. Agnes Callamard é especialista em casos de execuções sumárias e David Kaye, em liberdade de expressão. Segundo o jornal “The New York Times”, ambos estiveram envolvidos na investigação da morte de Khashoggi.
Eles tiveram acesso a um análise forense encomendada pela equipe de segurança de Bezos em 2019, que concluiu com “média a alta” confiança que o iPhone do bilionário foi infiltrado no dia 1º de maio de 2018 por um vídeo no formato MP4 enviado pela conta pessoal do príncipe Mohammed bin Salman.
Ele e Bezos teriam trocado contatos antes da suposta invasão.
Em questão de horas após o recebimento do vídeo, ainda de acordo com a análise da FTI Consulting, o volume de dados que saíram do telefone aumentou e continuou crescendo por alguns meses, acima do nível observado antes da mensagem do príncipe.
Para os especialistas da ONU, essas informações reforçam outras que apontam para um padrão de espionagem de opositores e pessoas de importância estratégica para as autoridades sauditas. Na mesma época, outros sauditas ligados a Khashoggi relataram ter sido hackeados.
Além disso, para a ONU, esses relatos também reforçam a suspeita de envolvimento do príncipe no assassinato de Khashoggi.
Divórcio e chantagem
Cerca de 9 meses depois de ter sido supostamente hackeado, Bezos veio a público denunciar o tabloide americano “National Enquirer” por usar fotos íntimas para chantageá-lo.
Um mês antes da denúncia, Bezos havia anunciado seu divórcio e teve detalhes de sua relação extraconjugal revelados pelo mesmo tabloide minutos após o anúncio da separação.
O caso levou o dono da Amazon a iniciar uma investigação contra a editora da publicação, a American Media Inc (AMI). A equipe de Bezos chegou a afirmar que a cobertura do caso feita pela National Enquirer teve “motivações políticas”.
Segundo o “The Guardian”, o celular de Bezos está sendo inspecionado por especialistas desde que o “National Inquirer” publicou as primeiras reportagens, em janeiro de 2019.
Até o momento, não se sabe se a suposta invasão do celular e a exposição das fotos estão relacionadas.
O diretor de segurança pessoal de Bezos, Gavin de Becker, já havia acusado o príncipe saudita de atacar o celular do executivo em março do ano passado, mas não deu detalhes de como isso teria acontecido.
De Becker também descreveu na ocasião o “relacionamento próximo” que Mohammed bin Salman desenvolveu com David Pecker, presidente da AMI, nos meses que antecederam a reportagem sobre a relação extraconjugal de Bezos.
A Arábia Saudita também negou à época as acusações de que estaria envolvida na divulgação das histórias sobre Bezos e a AMI disse que recebeu de uma fonte as informações que foram publicadas.
É possível usar vídeo para invadir celular?
Segundo o especialista em segurança digital e colunista do G1, Altieres Rohr, é possível que um vírus seja executado por meio de um vídeo ou pelo link para um vídeo, mas trata-se de uma situação rara: “Essas falhas são muito difíceis de explorar em celular”, afirma.
Em novembro passado, o WhatsApp disse que corrigiu uma falha que podia atacar celulares com arquivos de vídeo, mas afirmou que não havia qualquer informação que indicasse que esta brecha foi utilizada em ataques reais (veja como atualizar seu celular).
Controle sobre ‘spyware’
Ainda de acordo com o relatório da ONU, as informações dão conta de que, para hackear o celular de Bezos, teriam sido usado um programa de computador desenvolvido por uma empresa privada e transferido para o governo sem controle judicial de seu uso.
“Se for verdade, é um exemplo concreto dos males da divulgação, venda e uso sem limites de ‘spyware'”, escreveram os especialistas, referindo-se a programas de espionagem virtual.
Para a ONU, a vigilância por meios digitais precisa ser submetida ao controle mais rigoroso possível, envolvendo meios legais e regras internacionais e nacionais de controle de exportação, para que haja proteção frente ao risco de abuso dessa prática.
Por G1