Campo Grande, 22 de abril de 2025

As quatro vidas de Piera Aiello, a mulher que viveu sem rosto durante três décadas por enfrentar a máfia na Itália

Piera Aiello ainda não sabe, mas sua primeira vida está prestes a terminar.

São nove horas da noite de 24 de junho de 1991. Nesse exato momento, ela está brincando na cozinha de seu restaurante.

Ela tem 23 anos, uma filha de três anos que dorme em casa com os avós, e um marido, Nicola Atria, que será assassinado diante de seus olhos em alguns minutos.

No terraço da pizzaria Europa, que Piera comanda com o marido, o verão não dá sinais de trégua. O clima abafado percorre todos os cantos da cidade de Montevago, 20 ruas e uma catedral na base do Valle del Belice, no interior do oeste da ilha da Sicília.

O local não tem o charme dos templos gregos de Agrigento, os elegantes edifícios de Palermo, nem as águas azul-turquesa de Marsala ou Trapani, e poucos fora da ilha sabiam de sua existência até 1968, quando um terremoto varreu várias cidades da região do mapa e causou a morte de centenas de seus habitantes.

O nome acabou gravado na memória coletiva do país e, devido ao ritmo lento de reconstrução, a corrupção e os interesses poucos transparentes que se tornaram evidentes nos anos seguintes acabaram associando-o irremediavelmente a duas palavras: Cosa Nostra.

De repente, ela ouve a cortina de vime da cozinha se mover.

Piera se vira e vê um homem com um capuz sobre a cabeça: ele veste um traje de camuflagem, cheira a gasolina e tem uma espingarda na mão.

Ele é baixo e avança em direção ao casal.

“O que está acontecendo?”, grita ela, enquanto o homem aponta a arma. Seu marido empurra Piera contra a parede e diz: “Não toque na minha esposa”.

Entra outro homem, muito maior, também com uma espingarda e dedo no gatilho.

Piera pula, agarra a culatra da espingarda, o objeto está quente e cheira a gasolina. Atrás dela, ouve duas explosões, suas mãos arrancam a culatra, o homem se liberta, a aperta contra a pia e com a outra mão dispara.

O marido de Piera grita – e cai no chão.

O ar da cozinha cheira a pólvora e a gasolina.

Nicola está morto.

***

“É uma sensação estranha”, diz Piera, 29 anos depois do crime, recostando-se na poltrona do escritório que compartilha com um colega em Roma, capital da Itália.

Ela limpa sua garganta.

“Você sente alívio porque sobreviveu. Mas, ao mesmo tempo, sente um vazio. Esse é o sentimento quando você testemunha um homicídio”, acrescenta ela em entrevista à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

Sua empregada abre as janelas do escritório. O ar é permeado pela fumaça do cigarro.

Após a Segunda Guerra Mundial, as famílias da máfia siciliana impuseram seu controle sobre a ilha com assassinato e extorsão. — Foto: Getty Images via BBC

Após a Segunda Guerra Mundial, as famílias da máfia siciliana impuseram seu controle sobre a ilha com assassinato e extorsão. — Foto: Getty Images via BBC

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