A vitoriosa carreira nos gramados foi sucedida por uma desafiadora saga como técnico de futebol. Zé Maria, ex-seleção brasileira, Inter de Milão e Parma, não escondeu suas impressões sobre a nova função, sobretudo a cerca da classe de treinadores no Brasil. Em entrevista ao jornal inglês The Guardian, o campeão da Copa das Confederações e Copa América com Seleção, em 1997, criticou a atual mentalidade dos técnicos brasileiros.
– Não há treinadores brasileiros nas quatro principais ligas do mundo. Existem duas razões. Primeiro, eles desejam ir para a Europa e subir ao nível do treinador europeu. Em segundo lugar, é difícil sair do Brasil. Aqui é inverno e está 30ºC. Ouvi Muricy Ramalho, um ótimo treinador, dizendo: “Sou brasileiro, temos que driblar, não podemos perder isso”. Mas você não vai perder isso. Você pode driblar, mas com a organização por trás disso. Essas são as coisas que os brasileiros não querem fazer, sair dessa zona de conforto, crescer. É isso que temos que aprender. Os argentinos fazem isso. Pochettino, Simeone. É arrogante pensar que você não precisa melhorar – declarou o ex-lateral-direito ao veículo inglês.
Nascido no interior do Piauí, mas revelado pela Portuguesa nos anos 1990, Zé Maria defendeu a Ponte Preta e o Flamengo antes de se transferir ao Parma, da Itália, em 96. A experiência vivida pelo então lateral no clube europeu fez brotar uma idolatria sobre Carlo Ancelotti, seu comandante na equipe à época.
– Ele trata você como pessoa primeiro, depois como jogador. Todos os gerentes devem fazer isso. O grupo em Parma era terrivelmente forte. A linha defensiva era eu, Buffon, Cannavaro, Thuram e Benarrivo. À nossa frente, Sensini, Dino Baggio e Chiesa e Crespo na frente. Havia jogadores no banco que venceram a Copa do Mundo em 1990 e terminaram como vice-campeões em 1994. Ele sabia como lidar com isso. Essa é a diferença entre grandes treinadores.
Zé Maria encerrou a carreira em 2008 e, dois anos depois, adquiriu sua licença Pro da Uefa, em Florença, a escola de formação italiana onde Ancelotti estudou. Ano passado, o brasileiro retornou ao país natal para desbravar a carreira como técnico. Em maio de 2019, Zé Maria foi anunciado como comandante da Portuguesa, onde jogou ao lado de Dener, Sinval, Zé Roberto, Rodrigo Fabri, Leandro Amaral e outros.
– Seria mais fácil para mim na Itália, por causa do idioma. Mas, pensando em como eu quero trabalhar, com intensidade da manhã até a noite, a Inglaterra é o lugar. Exigi muito de mim como jogador – fiquei depois do treino para praticar cruzamentos, passes e arremessos – e é isso que exijo dos meus jogadores: dedicação e desejo de vencer. A Série A é a liga mais difícil do mundo. Você sai do Brasil, tem zero conhecimento tático e vai para um país onde são todas táticas? É complicado. Como zagueiro, eu gostava de atacar e atacar. Eu tive que aprender a me defender, a cobrir os zagueiros.
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Admiração por Roberto Mancini
– Existem jogadores que você sabe que não dormiram, mas você precisa deles. O treinador passa e vê o cara deitado lá, mas ele vira a cabeça para o outro lado. Você não pode deixar passar o tempo todo. Com jogadores dessa qualidade, isso pode criar problemas. Isso é o que Mancini sabia como fazer. Ele sabia quando virar a cabeça. Os jogadores pensam: “Tudo bem. Deixe-o. No domingo, ele marcará, venceremos o jogo, venceremos uma copa ou a Liga.” Isso acontece em todos os grandes clubes. O treinador precisa ser inteligente.
Adriano Imperador
– Eu tive que marcá-lo quando ele estava no Inter e eu estava em Perugia. Lembro-me de um jogo quando nosso zagueiro tentou puxá-lo pelo pescoço e Adriano arrastou o cara por 10 metros, se afastou e marcou. Ele também era inteligente, então era notável. Infelizmente, quando seu pai morreu, ele tinha muitos problemas em sua cabeça. Mesmo quando você é amigo íntimo, é difícil segurar um cara que tem 1,90m de altura, pesa 90kg, que quer sair e viver sua vida. Infelizmente, ele acabou perdendo um pouco do que poderia ter dado.
– Há uma passagem na Bíblia: “Não há profeta sem honra senão na sua pátria”. No seu país, as pessoas são intensamente criticadas. O problema de Adriano, se é que é um problema, é que ele é um garoto fantástico, com um coração enorme. As pessoas o criticam por isso. As pessoas querem que ele seja outra coisa.
Atrito com Felipão
– Ele me queria por empréstimo (para o Palmeiras). Como não queria ficar no banco, pedi a ele que garantisse que disputaria a posição com o Arce. Mas quando cheguei ao Palmeiras, eu era um substituto. Mesmo se jogasse bem, estaria no banco no próximo jogo. Acabamos tendo problemas. Por isso, sempre digo em minhas equipes que o jogador da melhor forma jogará. Ninguém tem um lugar fixo nas minhas equipes.
Contato com José Mourinho na Inter
– Ele é como um técnico brasileiro porque fala muito com os jogadores. Você tinha Eto’o, Sneijder e Milito, que não estavam acostumados a defender. Como Mourinho é um grande líder, eles fariam qualquer coisa por ele. Materazzi não é uma pessoa fácil de se trabalhar, mas, se Mourinho lhe dissesse que pulasse do 30º andar, ele pularia. Mourinho dizia a Balotelli para calar a boca, que se Balotelli não fizesse o que lhe diziam, ele poderia ir para casa. É outra maneira de gerenciar.
Experiência como técnico na Romênia
– Eu trabalhei em alguns lugares exóticos. Na Romênia, ele morava nas montanhas dos Cárpatos, administrando um clube chamado Ceahlăul. O príncipe Charles tem uma casa lá em cima, onde ele esquia de vez em quando. No inverno, eram -16ºC. Quando você está dando uma sessão de treinamento, primeiro os dedos das mãos e dos pés começam a congelar, depois todo o resto do seu corpo. Havia um teleférico no meio da cidade, mas não havia mais nada. Meu escritório tinha vista para o cemitério.
Racismo no futebol
– Veja as grandes equipes do mundo; não há treinadores negros. O que está acontecendo (Black Lives Matter) é bom, mas é improvável que haja uma mudança radical. A tempestade passará e tudo voltará a ser como era. As pessoas não vão parar de ser racistas.
Por Redação do ge — Teresina