Campo Grande, 24 de abril de 2025

Confira o que já se sabe e as (muitas) dúvidas sobre os cercadinhos das praias

RIO — Vai caber à Praia de Copacabana lançar uma moda carioca que, mesmo antes de sair do croqui, já vem tendo grande repercussão. A prefeitura do Rio a escolheu para iniciar o projeto de demarcação de espaços nas areias, com o objetivo de garantir um mínimo de distanciamento à beira-mar em tempos de pandemia. Mas, além do desafio de controlar o acesso à orla, algo nunca visto na história da cidade, a gestão municipal, com base no que divulgou nesta terça-feira, poderá enfrentar uma outra polêmica. O prefeito Marcelo Crivella anunciou que a iniciativa será custeada por empresas em troca de publicidade, já que banhistas nada pagarão. A questão é que a Lei Orgânica proíbe qualquer tipo de propaganda nas praias, até mesmo em guarda-sóis.

Em nota divulgada à noite, a prefeitura informou que não haverá publicidade em qualquer local da orla, sem explicar como planeja atrair empresas para o projeto. Por outro lado, antecipou como será feita a ocupação dos cercadinhos: 30% deles poderão ser reservados por períodos de duas horas através de um aplicativo, e os 70% restantes ficarão à disposição de quem chegar primeiro.

A startup Tooda elaborou o aplicativo com a ajuda da Associação de Barraqueiros de Praia do Estado do Rio de Janeiro. A prefeitura não marcou uma data para a montagem dos primeiros cercadinhos, mas a entidade tem a expectativa de começar os trabalhos no próximo domingo. Na avaliação de Crivella, o projeto pode acabar com as cenas de aglomeração nas areias vistas nas últimas semanas:

“Quem chegar primeiro vai ocupar os lugares. Quem não puder, tiver outras razões para isso, pode marcar via aplicativo. ”

MARCELO CRIVELLA
Prefeito do Rio

— Quem chegar primeiro vai ocupar os lugares. Quem não puder, tiver outras razões para isso, pode marcar via aplicativo. A reserva vai ser para essas pessoas, assim como para idosos e deficientes, que não podem ficar na fila.

Apesar de propor o uso do aplicativo para ordenar a orla, a prefeitura não esclareceu quem vai fiscalizar o acesso. Nem se haverá multas em caso de descumprimento das regras.O município só informou que os barraqueiros serão convocados e os próprios banhistas ajudarão a cuidar dos cercadinhos, recebendo fitas para ajudar a demarcá-los. Mas, sem um esquema de fiscalização da Guarda Municipal e da Polícia Militar, a ideia é vista com reservas por cariocas e turistas.

Segundo o superintendente de Educação e Projetos da Vigilância Sanitária, Flávio Graça, a prefeitura pretende instalar “quadrantes” nas praias, que seriam estabelecidos com fitas de marcação, parecidas com as usadas para delimitar quadras de esporte. Serão, de acordo com o superintendente, conjuntos de quadrados que poderão ser ocupados pela população.

Graça acrescentou que o município não espera ter custos com a fabricação ou colocação das fitas. Isso porque a prefeitura quer que empresas parceiras arquem com esses valores. A princípio, os quadrantes serão colocados pela manhã e retirados no final do dia. A proposta também limita o número de pessoas por quadrado. Segundo Graça, a ideia é que em cada espaço fique um grupo de até quatro pessoas.

A professora Águida Souza, que ontem estava na Praia de Copacabana, desconfia de sua eficácia:

“Não acho que vai dar certo. As praias vão continuar lotadas.”

ÁGUIDA SOUZA
Professora

— Não acho que vai dar certo. As praias vão continuar lotadas. Falta bom senso às pessoas, que não entendem a importância do distanciamento.

Cercadinho na orla Foto: Infoglobo
Cercadinho na orla Foto: Infoglobo

Moradores do Distrito Federal, Cleiton Oliveira e Thaís Carolina aproveitaram uma semana de folga para curtir os dias de sol no Rio, mas disseram estar chocados com a falta de cuidado sanitário na cidade.

— Aqui, no Rio, está muito pior que em Brasília. Encontramos policiais sem máscaras e, em vários lugares de acesso controlado, não mediram nossa temperatura — afirmou Thaís.

“É melhor estar ao ar livre do que em um ambiente fechado. A questão é o acesso”

EDMILSON MIGOWSKI
Epidemiologista

Já a advogada Aline Ramalho vê risco de os barraqueiros, que teriam a função de ajudar no controle dos banhistas, virarem “flanelinhas das areias” .

— É uma loucura, não vai dar certo. Acho que vai ter gente guardando vaga e cobrando. E se eu reservar a vaga num horário mais tarde, quem garante que o cercadinho estará livre? O que fazer se alguém não quiser desocupá-lo? Quando a maré subir, quem estiver mais perto da água vai perder o quadrado? — questionou Aline.

Especialistas se dividem sobre liberação de praias com cercadinhos no Rio

Integrante do comitê científico da prefeitura que avalia os indicadores da pandemia na cidade, o infectologista da UFRJ Celso Ramos Filho considerou a ideia uma boa maneira de evitar aglomerações nas praias. No entanto, ele acha que o maior desafio para o ordenamento não estará nas areias, mas nos transportes públicos:

— A questão é que, nos fins de semana, muita gente sai da Baixada e do subúrbio em direção à orla, lotando os ônibus, o BRT e o metrô.

O epidemiologista Edmilson Migowski, da UFRJ, tem opinião semelhante. Ele não vê problema na permanência de banhistas na areia, desde que seja respeitado um mínimo de distanciamento:

— É melhor estar ao ar livre do que em um ambiente fechado. A questão é o acesso.

Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo disse que o prefeito está regulamentando o que, na verdade, banhistas estão fazendo sem regras:

— A questão é as pessoas não se aglomerarem e haver fiscalização. Isso já está acontecendo em outros países.

Já a epidemiologista Gulnar Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), não acredita na eficácia da medida:

— Está na cara que não vai dar certo. Os banhistas vão tomar sol de máscara? É impraticável exigir das pessoas que permaneçam dentro de pequenos quadradinhos.

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp