Paolo Rossi uma, duas… três vezes. Os gols marcados pelo italiano na eliminação da seleção brasileira na Copa de 1982 acabaram com o sonho de milhões de brasileiros, que viam naquele time o expoente máximo do futebol arte. Mas não foi guardado rancor. Até porque, a genialidade no esporte é recompensada com admiração. E um exemplo disso é a história da visita de Rossi a Fernando de Noronha, em 1997.
A morte do italiano na última quarta-feira, aos 64 anos, reacendeu na memória dos moradores do arquipélago pernambucano aqueles dias únicos. Mais especificamente no guia de turismo Moisés Souza, o Mica, hoje com 51 anos. Ele bateu uma pelada com o ex-atacante e contou ao ge sobre como Rossi jogou com uma chuteira improvisada, amarrada com nylon de pesca. A história foi resgatada inicialmente nesta semana pelo Jornal do Commercio.
“Tinha um jogador, Paulo Dantas, que era pescador, e não tinha cadarço na chuteira, amarrava com nylon de pesca. Quando Paolo Rossi foi procurar uma chuteira emprestada pra jogar com a gente, o tamanho que dava no pé dele era aquela de Paulo, que tinha saído porque era mais velho e já estava cansado. Ele (Rossi) calçou e jogou, sem frescura. É um mágico, tranquilo, gente boa”, elogia Mica.
Paolo Rossi e Piano, jogador de Fernando de Noronha, em visita do italiano ao arquipélago em 1997 — Foto: Arquivo pessoal
Aquela pelada reservou um momento especial para o irmão de Mica, Salviano José de Souza Neto. Conhecido pelo apelido Piano, ele foi uma promessa do futebol que acabou não vingando no profissional, já que não pôde deixar a família para tentar a sorte longe.
“Meu irmão era bom, jogou profissional por alguns times, como no River-PI, mas na época pai não deixou (seguir carreira). Ele (Rossi) fez um gol com passe do meu irmão e ficou impressionado. Tiveram entrosamento bom. Depois sentamos, tomamos uma cervejinha, e eles começaram uma amizade, ficaram conversando. Ele disse que se meu irmão estivesse na Itália, estaria em um time de ponta.”
A conversa não parou por ali. Na época, Mica não era guia de turismo, mas Piano, sim. Inclusive, já era conhecido e amigo de famosos do pagode e do futebol. E foi com ele que Rossi fez passeios turísticos por Noronha.
Piano acabou falecendo em 2000, em um acidente de moto. Ele foi homenageado pelos companheiros de futebol na conquista do título pernambucano de futebol de areia, no Recife, naquele mesmo ano. E também dá nome ao estádio distrital que mantém o futebol ativo no arquipélago, conhecido carinhosamente como Pianão.
Do choro à admiração
Se gostou da impressão que teve de Paolo Rossi em 1997, na pelada, Mica recorda que seu primeiro contato com o italiano foi, digamos, bem triste. Aos 13 anos, viu na tela da televisão a Seleção ser eliminada na Copa do Mundo da Espanha, por 3 a 2, com três gols do ex-atacante, e ainda teve que aguentar uma vitória doce e amarga do seu pai, Fernando, em uma aposta.
“Eu estava em Recife no dia, e meu pai sempre jogava (apostava) contra o Brasil. A gente fazia bolão de bairro. Ele acertou o placar da nossa derrota, e lembro de todo mundo correndo atrás dele, jogando balde d’água. Fiquei muito chateado com meu pai e chorava, por que ele estava sempre perdendo. Mas no dia ele acertou (o placar) do jogo decisivo. Ninguém esperava.”
Se chorou em 1982, Mica sorriu em 1997, e teve um misto de sentimentos agora, em 2020. Ao saber da morte de Rossi, reviveu todos os momentos daquela visita, e pôde renovar a saudade eterna do irmão. Perguntado sobre o italiano que passou e deixou sua marca no paraíso pernambucano, foi sucinto, mas certeiro.
– Ele acabou com o Brasil. Mas pense numa figura maravilhosa…
Júnior e Paolo Rossi em encontro durante a Copa do Mundo de 1982 — Foto: Getty Images