Com o bolso vazio e a alma cheia de esperança. É assim que muitos migrantes e imigrantes chegam à Campo Grande e acabam indo para a rua. Sem emprego e sem dinheiro, a rua se torna morada provisória para muitas pessoas, como a venezuelana Gabrielys Antonella Smith.
Vivendo na capital sul-mato-grossense há seis meses, Gabrielys conta que chegou à cidade para procurar melhor condição de vida, mas as coisas não aconteceram de imediato. “Quando vi eu estava na rua. Foi quando procurei a Policia e pedi ajuda. Eles me encaminharam para a UAIFA e aqui recebi apoio. Hoje estou trabalhando, namorando, reconstruindo a minha vida”.
Mulher trans, Gabrielys conta que tem recebido muito apoio no Brasil e as oportunidades que está tendo aqui não tinha em seu país de origem. “Eu não tive dificuldades de conseguir trabalho aqui, mesmo sendo uma mulher trans. O Brasil é um país muito acolhedor e aqui tem leis que protegem as mulheres trans. Aqui eu tenho muito mais respeito que no meu próprio país. Eu só tenho a agradecer. Eu fui muito bem acolhida aqui. Sou muito grata a Deus e as pessoas que ele colocou no meu caminho”, relata, frisando o apoio que recebeu da Prefeitura de Campo Grande.
O venezuelano Luiz Alonso Maleno Ruiz está há dois meses em Campo Grande e também já está trabalhando. “ Eu morava em Cuiabá (MT) com minha esposa. Mas nós rompemos e eu ia para o Paraná ficar na casa de uma amiga da minha ex-companheira. Vendi todas as minhas coisas (fogão, geladeira, butijão de gás e etc) e peguei o ônibus. Quando cheguei no Terminal Rodoviário daqui ela mandou uma mensagem dizendo que não poderia mais me receber. Eu fiquei desesperado, porque não tinha mais onde morar”, conta.
Foi quando a assistente social do terminal o encaminhou para a Casa de Passagem Resgate, que é uma instituição cofinanciada pela Prefeitura de Campo Grande. Lá ele tem moradia, quatro refeições por dia e, inclusive, começou a trabalhar no local. “Agora eu consigo mandar dinheiro pro meu filho que está na Venezuela. Eu me sinto bem aqui, tenho amigos. O meu sonho é trazer meu filho da Venezuela. Ele só tem 8 anos”, relata.
A Prefeitura de Campo Grande mantém quatro unidades de acolhimento de pessoas em situação de rua, migrantes e imigrantes. São duas UAIFAs (Unidade de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias), cada uma tem capacidade para atender até cem pessoas ao dia; mais a Casa de Passagem Resgate, que é cofinanciada e tem capacidade para 80 vagas (migrantes e imigrantes) e a Casa de Apoio São Francisco de Assis, que também é cofinanciada e atende até 50 pessoas.
Somente a na UAIFA 1 (antigo Cetremi) passaram 194 pessoas durante todo o mês de agosto. Se formos contabilizar de março de 2021 a agosto deste ano já foram realizados mais de 3,2 mil atendimentos nas unidades de acolhimento institucional da SAS, além de 2036 atendimentos a migrantes e imigrantes. Também foram realizados 926 encaminhamentos para o mercado de trabalho e fornecidas 1447 passagens a pessoas em situação de rua e estrangeiros que puderam retornar às suas cidades de origem, restabelecendo os vínculos familiares.
Coordenador da UAIFA 1, Odair de Jesus Martins, que há 23 anos atua na assistência social, explica como procurar o serviço. “A porta de entrada é por demanda espontânea e também pelo SEAS e outras unidades como Policia Militar e Bombeiro, por exemplo. O usuário chega, passa pela recepção, por uma triagem e depois faz o atendimento técnico – que é um atendimento psico-jurídico-social, que é feito por um psicólogo, advogado e assistente social. Ele entrando na Casa assina um termo com as regras e normas, se comprometendo a cumprir”, explica.
No local, o usuário recebe quatro refeições diárias – café da manhã, almoço, lanche da tarde e janta. A unidade também tem parcerias com outras secretarias municipais, como a Funsat, onde ele é encaminhado para oportunidades de trabalho. Caso precise de atendimento médico ou odontológico, é encaminhado para as unidades de saúde da Sesau.
Quem não tem documentos, tem acesso ao serviço. A assistência social faz uma Busca Ativa para ver se a pessoa tem RG, CPF, carteira de trabalho. Caso ela tenha, é pedido 2º via, ou encaminhado para fazer os documentos. No caso de estrangeiros, eles são levados à Receita Federal e Polícia Federal para se regularizarem a estada no país.
Ainda dentro da UAIFA são realizados projetos de capacitação. Um deles é o Plantando Dignidade, no qual o usuário aprende o manejo, o cultivo e a colheita de hortaliças e legumes, além de aprender a fazer mudas frutíferas. “Então a gente capacita esse usuário, que se torna uma mão de obra e pode sair daqui e trabalhar nas hortas urbanas da capital”, ressalta Odair de Jesus.
Um dos cursos que foi realizado na instituição e foi sucesso total é o de Barbeiro e Cabeleireiro. Odair conta que em nenhuma outra gestão havia acontecido algo semelhante. “Em 32 anos de Cetremi (nome antigo da UAIFA), nunca houve um curso assim. Capacitamos 20 usuários, que hoje podem atuar em qualquer barbearia”, diz.
Há ainda projetos de socialização como o Cantinho da Leitura, onde foi feita uma mini biblioteca na unidade para os usuários terem acesso a livros, revistas e gibis. O Cine Inclusão, que acontece uma vez ao mês leva cinema e conhecimento para todos, já que após a exibição do filme ocorre uma roda de conversa para debater sobre o que foi assistido.
Já o Mulher Mais Bela, que também acontece uma vez ao mês, traz mais beleza com cortes de cabelo e serviços de manicure para elas, e para eles, apesar do nome.
Um dos projetos que está para sair do forno é o Inclusão Digital Sem Fronteiras, onde os usuários vão ter acesso à internet, vão poder buscar vagas de emprego, manter contato com familiares, ou amigos de outras cidades e etc.
Promovendo o mesmo serviço, a Casa de Passagem Resgate, que é cofinanciada pela Prefeitura de Campo Grande, é mais um ponto de apoio para migrantes, imigrantes e pessoas em situação de rua.
Luciano Rios de Sousa Júnior, coordenador geral da Casa Resgate, conta que o local é porto seguro para quem chega sem perspectiva de moradia. “Aqui eles têm alimentação, tem dormitório, onde eles podem se alojar, tomar banho, se vestir, e dar continuidade à vida. Geralmente a pessoa fica um período aqui – entre 15 e 30 dias – consegue trabalho e logo em seguida já aluga uma casa, um kitnet e dá prosseguimento à vida. Temos moradores que já estão trabalhando, mas continuam aqui porque estão se organizando”, explica
Quem conhece alguém que precisa do serviço de acolhimento é só acionar o Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS) pelos telefones (67) 98404-7529 ou 98471-8149. O serviço funciona 24 horas por dia. Ao acioná-lo, as equipes informarão sobre a estrutura das unidades de acolhimento e onde o usuário pode receber atendimento.
De janeiro de 2020 até agosto deste ano, o SEAS totalizou 2.812 abordagens. As pessoas que aceitam o acolhimento são levadas ao Centro POP, onde passam por uma triagem e são encaminhadas para uma das unidades de acolhimento.