A voz de Danilo

SEM TABUS

“Primeiro buscamos aprender, talvez ensinar, mas sem dúvida crescer.” Esse é o lema do Voz Futura, que, segundo Danilo, não tem pauta nem periodicidade pré-definidos. Tudo varia de acordo com a agenda e o interesse do jogador e de seus parceiros de projeto, Pedro Pirim e Felipe Cantieri.

O tema da saúde mental é um dos mais recorrentes na página, que tem o amarelo como predominante na identidade visual:

– Escolhemos essa cor por conta do setembro amarelo e a questão do suicídio. É um tema que a gente achava, em comum, que deveria ser mais falado. Muitas pessoas acham ruim debater o suicídio, é até um tabu, mas tem que ser dito, muita gente vai embora porque não tem auxílio, tem medo de falar, não sente segurança em se abrir – explicou o lateral, que também comentou a escolha do nome do projeto:

– Às vezes, você se encontra em um momento que não é bom, você sente que não tem voz. Porém, com a ajuda da página, com os conteúdos que publicamos, sua voz futura vai existir, você vai mudar sua voz futura, você vai ter uma voz, vai conseguir falar e ser ouvido.

Danilo e seus colegas mesclam as postagens de textos reflexivos com poemas, divulgação de notícias positivas e até dicas de livros e filmes.

Recentemente, o lateral promoveu uma conversa de quase uma hora com Zé Love, ex-companheiro dele no Santos, que enfrentou um quadro de depressão.

– Não podemos deixar de falar por medo de ser julgado, por medo do que os outros vão pensar, por medo de acharem que estamos fugindo do nosso campo de ação. É lógico que não vou dar conselhos sobre depressão ou suicídio, mas posso colocar uma pessoa que é especialista na área para explicar sobre isso ou falar com pessoas que já sofreram com a doença para elas se abrirem e, assim, criar sinergia, criar uma rede, e a gente se ajudar. É muito difícil você querer salvar o mundo, alcançar todo mundo. Mas, se alcançar uma minoria de pessoas e cada um pensar dessa forma, a gente pode mudar – opinou.

Danilo passou a se interessar por questões ligadas à saúde mental em 2017, pouco depois do nascimento de Miguel, o primeiro dos dois filhos dele. Na época, o lateral estava em sua segunda temporada no gigante Real Madrid e vivia um momento de turbulência:

– As coisas não estavam funcionando e tive um episódio que foi a gota d’água: fiz dois gols contra num intervalo de três semanas. Foi na Copa do Rei, um diante do Sevilla, e a gente empatou em 3 a 3, e outro contra o Celta de Vigo, no jogo da volta da Copa, quando fomos eliminados. O Real Madrid é gigante, lá acontece tudo de forma muito grande, um clube maravilhoso, que me deu tudo, mas naquele momento eu estava morto mentalmente, acabado, eu não sabia muito bem de onde tirar força, não entendia tudo o que eu estava sentindo – relembrou o jogador.

Foi então que o volante Lucas Silva apresentou Danilo a um “coach”, que não só o ajudou a enfrentar aquela fase difícil, como também despertou nele curiosidade em entender e interpretar sentimentos e sensações.

Hoje, o lateral tenta passar aos companheiros de clube e Seleção a importância de se preparar não apenas técnica e fisicamente, mas também emocionalmente:

– Eu busco conversar sobre isso quando tem uma abertura, sem ser aquele cara chato, que quer falar disso o tempo todo. Pode ser até mesmo sugerindo frases, documentários, palestras, coisas que sejam curtas, até porque a galera muitas vezes não tem paciência (risos). Mas a gente vê algum fruto. Ainda acho pouco, deveria partir do pessoal lá de cima, ter um trabalho de base, a molecada pelo menos conhecer, para quando chegar no profissional não ser algo distante da realidade. Mas acho que ainda falta abertura da nossa parte, é algo que tem muito espaço para crescer – avaliou Danilo, que diz não ter recebido qualquer ajuda psicológica no começo da carreira:

– Minhas maiores dificuldades no futebol foram a partir dos 19 ou 20 anos, antes disso eu não era conhecido, jogava no América-MG, que vivia um momento difícil, muitas vezes sem café da manhã, tinha pouca comida. Mas eu não tive problemas até então. A partir da minha ida para o Santos passei a lidar com mais reconhecimento, dinheiro e pressão. Foi quando passei a ter problemas, no sentindo de entender os sentimentos e sensações de tudo o que estava acontecendo na minha vida. Fui encontrando formas de me sobressair em relação a isso tudo, criando mecanismos, mas quanto antes você reconhecer tudo o que está sentindo, mais fácil superar essas dificuldades, daí a importância de tratar esse tema principalmente no futebol.

Danilo propõe uma reflexão sobre como as equipes preparam os jovens atletas:

– Deixando até de lado a questão humana, eu fico pensando: quão benéfico seria para o clube em termos de número de jogadores formados com mais resiliência, que chegariam mais longe, se tivesse um acompanhamento? Quantos garotos já não se perderam nas categorias de base por não saberem administrar as emoções?

SINERGIA

Por lesão, Danilo ficou fora dos últimos amistosos da Seleção, em junho, contra Coreia do Sul e Japão. A última partida que ele disputou com a amarelinha foi em 24 de março, quando o Brasil goleou o Chile por 4 a 0, no Maracanã, pelas Eliminatórias. O duelo marcou a despedida do grupo de Tite no território nacional antes da Copa do Mundo e teve um sentimento especial para o lateral.

– Foi incrível a sinergia – recordou o jogador, que naquele dia teve o apoio de uma torcida especial de “uns 100” amigos e familiares que viajaram de Bicas, no interior de Minas Gerais, para o Rio de Janeiro.

– Esse jogo me trouxe uma esperança, um sentimento muito diferente de tudo, que eu não tinha talvez desde a minha estreia com a Seleção, lá em Belém, em 2011, quando a torcida cantou pela primeira vez o Hino Nacional à capela, contra a Argentina. Agora, contra o Chile, tive um sentimento igual, foi muito diferente de tudo, me deu um sentimento bacana.

Atuando há mais de uma década no futebol europeu, Danilo concorda que a distância dele e de muitos outros atletas do torcedor brasileiro acaba por afastar um pouco a Seleção de seu público. No texto que publicou após a Copa América, ele fez um autocrítica das obrigações do jogador que veste a camisa verde e amarela:

– Estando tão expostos, nos resta sermos menos reativos, mais compreensivos e aliados de quem tanto nos prestigia, o povo. É necessário termos clareza nos discursos dentro e fora de campo – ponderou Danilo, que garante ter escrito a carta aberta antes mesmo da final contra a Argentina, para não deixar o resultado influenciar no conteúdo da mensagem que desejava transmitir.

Naquele texto, no qual se posicionava contra a realização da Copa América no Brasil em meio à pandemia, o lateral propôs que atletas, jornalistas e torcedores unissem forças, parassem com “desnecessárias intrigas” e criassem uma “alquimia”. Para ele, o futebol mundial hoje em dia é muito mais competitivo do que anos atrás e é necessário “entender que o passado, saudoso e sempre respeitado do nosso futebol nacional pouco influencia nos jogos e no momento atual.”

Na entrevista ao ge, Danilo também falou sobre a importância de uma melhor relação com a imprensa, mas cobrou análises mais aprofundadas. Segundo ele, por muito tempo houve uma distanciamento entre os atletas da Seleção e os jornalistas, mas isso vem mudando.

Mesmo perto de disputar sua segunda Copa do Mundo consecutiva, o lateral segue sendo alvo de contestações e desconfianças por parte de alguns torcedores e comentaristas, mas diz não se incomodar com as críticas, desde que elas sejam justas:

– No nosso país temos a cultura de expor na televisão ou nas redes sociais a nossa opção pessoal. Por exemplo: eu não gosto do Danilo, então não vou fazer questão de analisar o trabalho. Acho isso injusto, só tira força do nosso futebol. A gente deveria julgar o jogo pela forma que ele é, julgar o sistema, a produtividade, o trabalho em geral, não colocar a preferência pessoal acima. É normal preferir um ou outro, gostar mais do estilo de um ou de outro, mas a avaliação tem que ser mais justa, porque senão acaba criando um distanciamento entre a imprensa e o jogador que não é legal.

VERSATILIDADE

Danilo é o quinto atleta que mais minutos disputou com a amarelinha desde a Copa da Rússia (2364, atrás somente de Marquinhos, Casemiro, Thiago Silva e Neymar).

Depois da Copa América de 2019, ele aproveitou as oscilações de desempenho de Daniel Alves, seu maior concorrente, e se firmou como titular da lateral direita da Seleção.

Na Juventus, porém, Danilo vem atuando cada vez menos em sua posição de origem. No ano passado ele já havia sido escalado como lateral-esquerdo e, neste início de temporada na Itália, tem atuado como zagueiro pela esquerda.

Em entrevistas recentes, Tite destacou a inteligência tática do jogador e disse não ver problema nessa mudança de função. Danilo também minimiza as dificuldades de adaptação:

– Isso tem muito a ver com o trabalho que desenvolvi com o Pep Guardiola no Manchester City, a forma de entender o jogo e os espaços, isso me habilita a atuar em diferentes posições. Eu estou disponível para isso na Seleção, já foi conversado com o Tite, ele sabe bem da minha disponibilidade. Tenho que seguir aprendendo, evoluindo, tenho margem para isso. No fim das contas, vai ser benéfico para a Seleção e para a Juventus.

Para os amistosos contra Gana, na sexta-feira, e Tunísia, na próxima terça, Danilo não terá uma “sombra”, já que Tite chamou somente ele para a lateral e convocou um zagueiro a mais. O técnico pensa em deslocar Éder Militão para a posição caso seja necessário.

Isso tem a ver com o papel que os laterais têm atualmente na Seleção, ajudando na iniciação de jogadas, muitas vezes mais pelo centro, e chegando menos à linha de fundo.

– Acabou aquilo de que o lateral tem que cruzar dez bolas, subir ao ataque e voltar, assim como aquilo de o primeiro meio-campista ser aquele que só marca, que apenas defende. Acabou aquilo de que o camisa 9 é quem tem que fazer os gols. Não tem mais espaço para isso no futebol – analisou Danilo, antes de arrematar:

– Fica aqui o meu convite a esse maior estudo de posição e função dentro de cada equipe, vai melhorar o nível da crítica e de entendimento nosso.